domingo, 20 de março de 2011

A Viagem de Chihiro / O Castelo Animado

Esse post vai ser bem diferente das críticas que fiz pros filmes do Oscar. Vou falar um pouquinho sobre cada uma dessas animações (e algumas outras obras que elas me lembram) e em seguida de aspectos comuns entre elas. São minhas impressões sobre elementos temáticos e simbólicos do filme, e como elas me chamam atenção.

Usei como base pra falar do primeiro filme o site http://www.sparknotes.com/film/spiritedaway/. Aí "apliquei" os elementos que queria também no segundo.

A Viagem de Chihiro (Spirited Away)


Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Ano de lançamento (EUA): 2001
Vencedor do Oscar de Melhor: Filme de Animação


Chihiro é uma garota de 10 anos que precisa escapar de um mundo fantástico e salvar os pais, depois que esses foram enfeitiçados por invadirem um parque aparentemente abandonado. Em sua jornada, precisa aprender a se virar, e conta com a ajuda de estranhos amigos, enfrentando os mais variados seres e situações.

Há muita semelhança entre Chihiro e Alice no País das Maravilhas. Duas garotas novinhas, descobrindo a si mesmas a necessidade de crescer e enfrentar um mundo real hostil, através de um mundo metafórico. A cada cena nos deparamos com um personagem mais excêntrico que o outro. Nas duas obras, precisam tomar decisões com pouca ou nenhuma instrução de alguém experiente. A comida também tem importância nas duas: a bebida, os biscoitos e cogumelos que Alice toma e come para crescer e diminuir, contra a comida que faz os pais de Chihiro serem transformados em porcos, a “frutinha” que faz Chihiro permanecer no estranho mundo e o bolo de gosto ruim, mas de poder curativo, que salva Haku de um feitiço. Não acho que Chihiro seja a Alice japonesa, mas com certeza Lewis Carroll influenciou Miyazaki em vários aspectos.

O Castelo Animado (Howl's Moving Castle)


Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Ano de lançamento (EUA): 2004
Indicado ao Oscar de Melhor: 

Filme de Animação


Baseado no livre de mesmo nome da inglesa Diana Wynne Jones, o filme conta a história de Sophie, uma jovem castigada por uma bruxa a ter a aparência de uma velha de 90 anos. Em sua caminhada para reverter o feitiço, ela acaba entrando no castelo animado do mágico Howl e vive então uma grande aventura.

Nem preciso falar qual outra obra este filme me lembra, né? É, a impressão que eu tive foi de um conto “A Bela e a Fera” meio invertido. Howl é um jovem bonito; Bela é a mais linda de sua aldeia. Sophie é uma velha rabugenta; Fera é um monstro, mandão e anti-social. Mas se olharmos bem, aprendemos que Howl não tem coração (literalmente), Bela não é nenhuma Aurora (A Bela Adormecida), Sophie é ainda uma garota, e a Fera é um príncipe. E se apaixonam por seus respectivos pares sem olhar para a aparência externa.


  A Viagem de Chihiro / O Castelo Animado

A viagem vai começar

Só assisti três filmes do Miyazaki (o terceiro foi Ponyo), mas posso afirmar isso para todos eles: não se prepare para assistir simplesmente a um filme, mas tenha certeza de estar pronto para uma verdadeira viagem. Ele não apresenta apenas “tema, trama e personagens”, mas leva quem estiver assistindo ao filme para dentro de uma aventura em um mundo maravilhoso e bizarro. Sempre sinto uma sensação estranha ao ver esses filmes, uma mistura de medo com empolgação, bem diferente da que sinto com outras aventuras que adoro.

Sinta-se à vontade

O diretor dá muita liberdade ao espectador de imaginar certos pontos da narrativa. É um recurso que funciona muito bem nos filmes dele, mas pode destruir um roteiro se não se souber como usar.

Em “A Viagem de Chihiro”, o exemplo que mais me chama a atenção é o Sem Rosto. Ninguém sabe o que é ele, nem de onde ele vem (não vou falar das metáforas que ele representa), mas é um personagem que funciona. Você fica com medo, depois se tranqüiliza, aí fica com muito medo, e em seguida se torna amigo dele. E fica livre pra pensar o que quiser de sua origem ou espécie.

Em “O Castelo Animado”, algo que não fica totalmente claro é variação de aparência de Sophie. Já enfeitiçada, ela aparece algumas vezes exatamente como era antes do feitiço; em outras está com corpo jovem e cabelo branco; e ainda, velha, mas não tão velha quanto no momento em que o feitiço é lançado. Dessa forma o final fica em aberto. Alguns podem achar que ela voltou a ser nova, enquanto outros pensam que ela continuou velha e Howl sempre a viu como jovem (até no final de tudo) – na última cena ele só comenta sobre a mudança da cor de cabelo, um sinal de que ela estaria mais madura, sábia.

“There’s no place like home”

As duas produções têm muitas semelhanças com “O Mágico de Oz”. A primeira, válida pras duas, é a jornada das protagonistas para reencontrar algo que lhes pertencia, ao qual não davam muito valor, e que lhes foi tirado. São Dorothys tentando voltar pra casa.

No caminho encontram pessoas que estão em situações parecidas, mesmo que não tenham pleno conhecimento disso, e se tornam amigas dessas pessoas. Diferentemente de Alice, Chihiro ganha a amizade de Haku, Lin, Kamajii e Sem Rosto (etc). Ao final da aventura, volta pra casa por mérito próprio.

Sophie também faz grandes amigos, e aqui temos três semelhanças gritantes com a obra de L. Frank Baum: o espantalho Cabeça de Nabo; Howl, que assim como o Homem de Lata, não tem coração; e um cachorrinho que lembra Totó. Tem ainda uma quarta, mas que somente faz sentido em inglês: o nome original da Bruxa das Terras Abandonadas é The Witch of Waste.

Cuidado com que diz

Outro tópico presente nos dois filmes é o poder das palavras (ou da falta delas). Em “A Viagem de Chihiro”, Yubaba tira os nomes dos trabalhadores e com isso consegue mantê-los presos. Chihiro precisa dizer somente o essencial para conseguir o trabalho e não ser dominada pela bruxa. Haku somente fica livre quando Chihiro diz seu verdadeiro nome.

Em “O Castelo Animado”, os amaldiçoados não podem falar sobre os feitiços que receberam. Falando com Suliman, Sophie começa a perceber seus verdadeiros sentimentos por Howl. E por causa das palavras de Howl ela se sente realmente bonita pela primeira vez.

As aparências enganam

Os personagens dos dois filmes nunca são o que parecem ser. Miyazaki não usa o exterior como um fator determinante do caráter, pelo menos não de um jeito convencional.

A irmã de Yubaba é o melhor exemplo, dos que lembro agora: ela é gêmea idêntica até na roupa, mas tem características psicológicas completamente diferentes. Sem Rosto é sombrio e até revela um lado maligno, mas na verdade tem um bom caráter. Boh é um bebê(zão), as super mimado, insuportável. Kamajii parece um vilão por causa de tantos braços e jeito esquisito, mas se revela um grande amigo.

Miyazaki brinca muito com as aparências de todos os personagens de “O castelo Animado”. Markl adora se disfarçar; Calcifer parece um “foguinho lindo” (hehehe), mas é um demônio poderoso; a Bruxa das Terras Abandonadas, depois de mostrar prepotência, se revela uma velhinha aparentemente inofensiva, mas que causa um grande problema; Cabeça de Nabo não é um espantalho. E nem preciso falar do grande jogo com os visuais de Howl e Sophie. Ah, até Sophie se confunde nessa “bagunça”, e acaba pensando que o cachorro de Suliman é Howl disfarçado.

Narizes, música e amor

- Não é algo importante, mas não podia deixar de comentar: a mania de Miyazaki por narizes gigantes em velhas. A primeira que se repara em Yubaba é o nariz maior que o corpo (hehehe) e quando comecei a  ver “O Castelo Animado” logo me deparei com grande nariz da velha Sophie. Qual será o motivo? Bom, não vou aprofundar nisso não...

- Um tópico realmente importante é a música. As trilhas sonoras dos dois filmes são lindas e completam os filmes de forma maravilhosa. Ambas foram compostas por Joe Hisaishi, parceiro de Miyazaki em acho que todos os seus filmes de animação.

- No final das contas, é o amor que resolve todos os conflitos. O que Kamajii lembra a Haku vale também para “O Castelo Animado” (e Ponyo, e aposto que para os outros filmes do diretor também): “nada pode vencer o amor”.

Considerações finais

São tantos personagens, cenários, tramas e metáforas, que poderia falar de outros inúmeros aspectos desses dois filmes. E isso é o que mais gosto em Miyazaki: a imaginação de outro mundo. Não é a toa que, apesar dele não gostar, muitos o chamam de Walt Disney japonês. É certeza de que vou passar por uma grande experiência sempre que assisto a um de seus filmes.

Quem já assistiu às duas animações, tente assistir de novo, talvez com outros olhos, não sei. Se entregue à aventura, ainda que sinta a mesma sensação estranha que eu sinto.

Quem não assistiu, não perca tempo, pois vale a pena!

Ah, notas dos filmes? Acho que 9/10.